sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Marcatti - Quadrinhos Underground Brasileiro

Trecho extraído de Entrevista realizada para a revista Etc, n°18
Trecho de Entrevista realizada para a revista Etc, n°18

Quer ler na íntegra? http://www.revistaetcetera.com.br/18/marcatti/index.html

Quer fazer downloads de alguns trabalhos?
http://www.nonaarte.com.br/titulo.asp?titulo=24


Capa do Anarkophobia, Ratos de Porão

Etc: Já li vários comentários a respeito de seus quadrinhos, muitos ficam numa leitura superficial, ressaltando apenas o lado da escatologia, do escracho, o que não deixa, é claro, de ser uma marca. Quando se fala em Marcatti logo se pensa em nojeira. Parece que isso causa um impacto, contudo vejo que sua intenção não é causar impacto, polêmica ou coisas do tipo, pelo simples fato da escatologia ser algo natural dentro das histórias, as personagens não se incomodam, não se espantam com o escatológico. Queria saber como você pensa a escatologia dentro do seu trabalho. Marcatti: Eu não tenho uma preocupação, ou...(pausa)...putz, como é que eu posso explicar isso...não é o foco! Não é uma coisa concentrada, deliberada. Agora, por exemplo, eu estou bolando a história pra um próximo livro que eles vão produzir [editora Conrad]. Eu começo como se estivesse escrevendo uma novela, a história de algo comum e tal. A escatologia vem como uma coisa natural, não é assim "ah, aqui eu tenho que botar um negócio nojento", é inconsciente, vem como conseqüência das histórias, do que está acontecendo. Agora se eu desse o mote dessa história pra um escritor de novela, ele iria fazer outra coisa, o rumo que ele daria aos detalhes seria outro, pra mim é aí onde começa entrar a escatologia. Toda vez que eu pensei a escatologia como uma mola propulsora - raras vezes eu pensei isso, a escatologia como o primeiro objetivo - as histórias acabaram ficando fracas, então vai tudo pro lixo. Começo por um triângulo amoroso, como no caso do Mariposa, que aliás eu nem sabia como iria ser o final, quando comecei a fazer o mote da história eu nem sabia onde ia dar. No desenvolvimento do trabalho quando a escatologia se exacerba eu dou uma freada, é ao contrário. Eu realmente não tenho uma opinião formada, já falaram que isso é uma coisa de natureza infantil, da criança que come a própria merda sabe?


"Topete ", desenho produzido em julho de 2006.


Etc: Freud explica... Marcatti: É, na verdade eu não sei se é isso, sei lá. Eu acho engraçada toda essa discussão. O que me entristece um pouco é que as pessoas acham que o trabalho é escatologia. Não posso negar, é uma puta de uma nojeira, mas não é a forma, não é o tema do meu trabalho. De fato é o catalisador, é o tempero da história, é o que amarra todo o enredo, mas pra mim não é a fonte principal.

Etc: Lógico que o humor é o destaque em seus quadrinhos, muitas vezes um humor negro, mas acho suas personagens desgraçadamente e melancolicamente cômicas. Por isso eu acredito que o underground não é só o meio de produção, mas o tema, a linguagem. Esse lance de você mostrar o ser humano lá no fundo, aquilo que ele não gosta de ver, o mijo, a merda, as entranhas...

Marcatti:
Eu sou do tempo em que se acreditava que o underground era uma coisa de linguagem, e não um lance de mecanismos. É como se a maior editora do mundo lançasse só títulos underground e vendesse milhões, ainda assim continuaria sendo underground. As pessoas confundem muito isso, "ah, o underground é uma maldição, o cara tem que ser marginal". É marginal porque nem todo público suporta ver o que se faz no underground, mas se ele vendesse milhões acredito que isso não iria mudar absolutamente nada, a não ser que as editoras, obviamente, começassem a dirigir o trabalho do artista, "tira isso, põe aquilo". O negócio é muito mais uma linguagem do que propriamente uma forma de trabalhar.
Meu trabalho passou por uma mudança muito grande, isso em 1986. Esse negócio do underground, hoje é diferente meu modo de ver o mundo, eu detestava a raça humana, abominava. Sinto até um certo desconforto em falar isso porque acho muito ruim o que eu pensava antes, de como eu detestava o ser humano. Hoje não, a partir dessa mudança , eu comecei a me apaixonar pelo ser humano. De certa forma eu não gosto muito de pensar que meu trabalho e meus personagens sejam melancólicos, eu sei que eles são, mas eu não gosto de pensar assim. Eu acho bonito o que acontece, a coisa que eles vivem, como eles fazem, o que eu crio pra eles, tenho uma adoração pela fragilidade da raça humana. A grande mudança foi essa, e o underground é pra mim dessa forma, você poder expor as nossas deficiências, as nossas neuroses, as nossas bobeiras, nossa infantilidade, querendo fazer de conta que a gente é grande coisa, acreditamos que somos seres superiores e o cacete, na verdade somos um bando de bostinhas. E isso eu acho bonito, acho engraçado...



"Peido perfumado", desenho produzido em maio de 2004.


Etc: ...e isso é que é humano.
Marcatti:
Isso é humano, essa é a comédia humana. Socialmente a gente fica escondendo nossas ansiedades o tempo todo, a gente esconde nossas necessidades, das mais básicas às mais profundas. Eu gosto de mostrar isso, aquelas coisas que você faz e não conta pra ninguém, acho bonito. Antes eu detestava, como se em suma eu achasse que o ser humano devesse ser o que acreditava ser. Depois que fiz essa leitura vi que era uma grande besteira.

Etc: Ainda em relação ao impacto que seus quadrinhos causam, a sociedade é hipócrita pra cacete, não?

Marcatti: Eu não diria que é hipócrita, de certa forma eu pego pesado mesmo. Quando estou escrevendo o roteiro até me surpreendo com as coisas que faço (risos). De fato são pra surpreender mesmo, se perder esse impacto...Não vai acontecer das pessoas se acostumarem, elas acham graça. Algumas não gostam, outras adoram, mas vão sofrer o impacto, às vezes eu mesmo fico perplexo. Pô, já me perguntaram "de onde você tira essas idéias", sei lá, deve ser do intestino (risos).



Trecho extraído da Conrad Editora
A adaptação em quadrinhos de Marcatti para o livro A Relíquia, clássico do escritor português Eça de Queirós já está praticamente pronta, informa o quadrinista. Ao contrário da maioria dos trabalhos de Marcatti, a versão em quadrinhos do romance não conterá cenas de escatologia, afirmou o quadrinista em entrevista para o Blog dos Quadrinhos, do jornalista Paulo Ramos. "Fiquei embasbacado. É engraçado como ele [Eça de Queirós] constrói uma história superpolida, mas, na verdade, chuta o pau da barraca.", comentou sobre a história do autor português. A Relíquia tem como personagem principal Teodorico Raposo, um jovem órfão criado pela religiosa tia. Quando adulto, Raposo vai ao Oriente Médio (Palestina e Egito), e lá recebe pedidos da tia e de outras pessoas, para que traga uma relíquia. Sátira às instituições portuguesas (a Monraquia, o Clero e a Burguesia), A Relíquia é uma das obras mais irreverentes de Eça de Queirós. A adaptação será lançada em 2007, mas você pode conferir um pouco dela logo abaixo. Se existe alguém que realmente dá sentido a adjetivos como independente e underground é o quadrinista Marcatti. Publicando desde os 15 anos de idade, aos 18 gastou quase tudo que tinha na compra de uma impressora off-set. Nascia, então, a PRO-C, editora pela qual lançou a maioria de seus trabalhos e também os de vários outros artistas.




No ano de 2001, Marcatti completou 25 anos de produção em HQs. Criou e desenhou, nesse período, mais de 1100 páginas de histórias em quadrinhos distribuídas em quase 150 histórias. Em todo esse tempo, Marcatti, uma espécie de Bataille dos quadrinhos, legou ao mundo pérolas do asco e da diversidade sexual levada ao extremo, como Fráuzio, Mijo, Tralha e Glaucomix.


Marcatti também contribuiu regularmente com as revistas Chiclete com Banana e Circo, e criou, entre outras, as capas dos discos Brasil e Anarkophobia, da banda Ratos de Porão do vocalista e VJ João Gordo.


Toda essa trajetória rendeu a Marcatti 4 prêmios HQ Mix consecutivos, como melhor publicação independente, e um prêmio Jayme Cortez, dado a quem incentiva os quadrinhos brasileiros.


Extraído:
http://lagrimapsicodelica.blogspot.com/

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